segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Carta de Fernanda Young para uma "amiga"

Companheira, sei que você vai chorar quando ler esta carta, mas quero deixar de ver você por uns tempos. Vai ser difícil para mim, pois me acostumei à sua presença, porém não vejo mais motivos para continuarmos juntas. Não nego sua importância: em diversos momentos difíceis da minha vida você permaneceu comigo, mesmo quando todos se afastaram. Só que, com você, sinto que não ando para a frente. Esse seu pessimismo me atrapalha.

Tenho tentado evitar você de todas as maneiras, e isso não é legal. Ainda mais porque sei que se magoa por qualquer coisinha. Mas basta você chegar e lá se vai a minha alegria. Não agüento mais os seus assuntos mórbidos, a sua cara desanimada. Até sexo, com você, ficou sem graça. Nada mais broxante que gente que chora durante a transa.

Perdi anos de minha vida ao seu lado, tristeza, acreditando em tudo que você dizia. Que o amor não existe e que o mundo não tem jeito. Você é péssima conselheira para suas parceiras - que o digam a Marilyn e a Sílvia*. Agora, chegou a hora de dar chance à alegria, que há muito tem mostrado interesse em passar uns tempos comigo. Ela me elogia, sabe? Você? O único elogio que eu lembro de ter ouvido de você foi que eu fico bem de olheiras.

Veja bem: não estou dizendo que quero acabar com você para sempre. Sei que estou presa a você, de uma forma ou de outra, pelo resto da vida. E podemos muito bem ter nossos momentinhos juntas, aos domingos ou em longas tardes de poesia. Só não posso é continuar à mercê dos seus péssimos humores, dia após dia, sabendo que você nunca irá mudar. Chega de fornecer moradia à sua pesada existência.

Desde pequena, abro mão de muita coisa pela sua companhia. Festas a que não fui porque você não me deixou ir, paisagens lindas nas quais não reparei porque você exigiu de mim total atenção, amigas que perdi porque insisti em levar você comigo a todos os lugares.

Ora, tristeza, tente ao menos ser mais leve. Sorria de vez em quando, pare um pouco de se lamentar. Ou vai continuar sendo assim: ninguém querendo ficar com você.

Não vou cobrar o que deixei de ganhar por sua má influência, pois sei que tristezas não pagam dívidas. Mas quero de volta meus discos de dance music, que você tirou da prateleira. E minhas roupas estampadas, que sumiram do armário depois que você se instalou aqui.

Por favor, não tente entrar em contato comigo com as velhas razões de sempre. Não é a fria lógica dos seus argumentos que irá guiar meu coração daqui por diante. Quero ver a vida por outros olhos, que não os seus. Quero beber por outros motivos, que não afogar você dentro de mim. Cansei da sua falta de senso de humor, do seu excesso de zelo. Vá resolver as suas carências em outro endereço.

Como me disse o Lulu, hoje de manhã, no carro, a caminho do trabalho: "Não te quero mal, apensa não te quero mais".

Bye-bye,

Fernanda

(Fernanda Young é escritora, roteirista e apresentadora de TV)

* A autora refere-se à morte da atriz Marilyn Monroe e da poetisa Sylvia Plath